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sexta-feira, 15 de outubro de 2021

SOB O DOMÍNIO DO CIÚME

            A relação amorosa cria laços únicos, talvez os mais intensos que somos capazes de formar. Além do envolvimento sexual, há também a união, a cumplicidade e a entrega. Quando a traição vem romper esses laços, a raiva que sentimos é proporcional ao afeto anterior. Nós a vivemos como uma forma de intromissão em nosso próprio âmago, uma espécie de invasão da alma. 

            O ciúme surge quando começamos fantasiar acerca de um terceiro elemento que, em nosso imaginário, passa a compor um triângulo amoroso conosco. O sentimento de inferioridade toma maior vulto quando passamos a atribuir-lhe qualidades que não possuímos. Por isso o rival desconhecido é mais assustador. Nunca tendo visto e nem possuindo uma foto para melhor nortear  nosso pensamento, passamos a investi-lo de tudo o que consideramos ideal. Esta é a atitude mais comum de quem está dominado pelo ciúme. 

            Evidentemente não há garantias no amor. E o ciúme é o "demônio perigoso" que solapa nossa segurança e alimenta nossos medos mais profundos e secretos. A arte de lidar com o ciúme começa com o tipo de relação que cada um tem consigo mesmo, com a capacidade de reconhecer e de lidar com aquilo que os teóricos chamam "aspecto interior infantil de personalidade". 

           O triângulo amoroso, imaginário ou real, traz à tona  fantasias submersas relacionadas ao Complexo de Édipo (ou Eletra). Aquela fase entre 4 e 7 anos, quando o desejo de tomar para si a mãe (ou pai) se transforma em uma obsessão. Os meninos sonham seduzir a mãe, e as meninas flertam com  o pai, tentando vencer os encantos da mãe. Mas, destinados a perder, soterram sua raiva e sofrimento, e desistem dessa conquista impossível. Algumas mães observam com carinho as artimanhas das filhas pequenas para tomar-lhe o marido. Mas outras podem reagir com rigor, transmitindo o recado de que a insistência na rivalidade poderá levar a menina à perda do amor. E o recado fica sempre armazenado.  Com a chegada da idade adulta, qualquer rival que ameace o equilíbrio de uma relação amorosa reaviva esses sentimentos reprimidos. De repente, nossas qualidades parecem desinteressar e nos vemos tomados de insegurança, ódio, e uma insuportável sensação de derrota. Sem saber que boa parte desses sentimentos provém do passado, nos surpreendemos com a violência gerada pelo ciúme. Nessas condições, a vingança é um ato que vem imediatamente á cabeça. E para satisfazer este sentimento procura-se uma forma de atingir aqueles que imaginam serem os culpados. 

            Perder o amor é o medo maior. às vezes basta imaginar que o amado está interessado por alguém para que nossos dias se encham de sofrimento. E mais sofremos quanto mais somos desconfiados, vendo ameaças onde não existem, provocando a própria vida de dúvidas. Freud descreveu o ciúme como "uma ferida narcisista" - um doloroso golpe para a auto-estima. 

             Os sentimentos gerados pelo ciúme são tão primitivos que muitas vezes nos arrastam a atitudes completamente fora do nosso padrão de comportamento.

            Mesmo sem ter a menor certeza de que nossa imaginação não está nos enganando, podemos mandar bilhetes ameaçadores, dar telefonemas anônimos; procuramos difamar e denegrir a imagem dos supostos adversários que geralmente nem conseguem entender o que está acontecendo. 

            Numa relação amorosa revelamos nossa essência. E, embora estejamos dispostos a partilhar nossos sentimentos mais pessoais, a entrega nos torna vulneráveis porque confidenciamos coisas muito pessoas com a pessoa amada que mais tarde poderão ser usadas contra nós. Nessas horas, por mais que sejamos seguros, temos sempre a impressão de que há algo errado conosco, e que ninguém nunca nos amará. É então que surge a raiva , como uma espécie de defesa contra a humilhação e o sofrimento causados pelo ciúme. São sentimentos muito perigosos, pois vem sempre junto com o desejo de vingança. A raiva funciona como um remédio contra a depressão e a autocomiseração. É preciso muito cuidado, porém, para que não nos cegue e nos leve a cometer loucuras irreparáveis. 

            Os ciumentos mais violentos, porém, são as pessoas possessivas e inseguras. Para elas o amor sempre se transforma em armadilha, pois estão certas de que, se não "controlar" a pessoa amada, ela irá embora. Não tendo desenvolvido sua auto-estima, tenta fabricar uma identidade para si através da fusão com mo parceiro e entram em pânico diante da ideia de que este possa deixá-lo, mas não consegue perceber que é exatamente isso que inevitavelmente está provocando. Em casos extremos, podem tornar-se perigosos.

              Responsável por tantos crimes, o ciúme é geralmente visto como sentimento negativo e destrutivo. As diferenças entre ciúme normal e patológico se confundem. Mas a verdade é que em sua forma normal pode até ter uma função biológica, pois, de acordo com os antropólogos que tem estudado o assunto, se  não fosse necessário para a evolução da espécie, esse sentimento já teria desaparecido. 

             O ciúme de um violento pode até levá-loa matar a pessoa amada. Atos dessa natureza estão mais próximos da loucura     do que ciúme; felizmente poucos são os que ultrapassam a barreira  que separa a raiva, mesmo intensa, da violência. Mas todos nós conhecemos em algum momento a força do ciúme e sua capacidade de alterar não só nossos sentimentos como também nosso comportamento. Basta o parceiro se deitar com outra pessoa - ou apenas desejar fazê-lo - para despertar em nós ímpetos assassinos. 

             A mulher ciumenta se preocupa em salvar a relação á qualquer  preço, enquanto o homem fica mais enraivecido e se preocupa em proteger a auto-estima. Entretanto, os dois sexos  tem reações comuns. O ciúme consegue desarticular o ego adulto e fortalecer os aspectos infantis que contém. Exatamente por isso é tão terrível. Tem capacidade de transformar  adultos em crianças assustadas, choramingando pelos cantos, flagelando-se destrutivamente, ameaçadas e sem controle. Além de todo o sofrimento acrescentamos a vergonha e a culpa por sermos ciumentos. 

             Por mais detestável e doloroso que seja, o ciúme é também um acompanhamento inevitável do amor e um testemunho evidente de vitalidade. Ter ciúme é querer e, geralmente, é disposição para lutar pelo próprio amor. Como tal, torna-se muito mais perigos quando elegantemente insistimos em negá-lo do que quando juntamos nossos cacos e nossa coragem para enfrentá-lo. 

              O ciúme é uma emoção protetora, que nos põe em estado de alerta para defesa daquilo que mais prezamos. A dor funciona como uma luz de alerta dizendo para prestarmos mais atenção,tomar cuidado. Por isso a negação do ciúme, embora pareça uma atitude sensata, é arriscada e pode levar à alienação, à ansiedade e a tentativas disfarçadas  de vingança. Ele conduz à acusação. mas isso só faz colocar o outro na defensiva e leva a discussão a um impasse. Em geral, quando estamos com ciúme reagimos com gritos, choro, acusações, ou até mesmo agressões físicas. Muitos se calam e guardam um silêncio ressentido. Nesse contexto, não conseguiremos apresentar nossos sentimentos de forma clara e nem criamos um clima propício para discutir o assunto amigavelmente. A melhor forma de lidar com esse poderoso sentimento é nunca afirmar que o outro fez isso ou aquilo, mas falar de como a gente se sente diante da situação. Se conseguirmos admitir honestamente nosso ciúme, e falar de nossas ansiedades e fantasias de abandono, veremos que o sofrimento torna-se menos intenso ou até desparece. 

            Devemos deixar a superfície e descer às raízes, ao sentimento de desamparo. Agindo assim estaremos protegendo a relação e dando-lhe possibilidade decrescer e amadurecer. 

            Às vezes uma infelicidade esconde um problema mais profundo da relação, ou acontece como expressão de raiva, ou retaliação. Algumas relações até melhoram depois que uma traição é detectada e discutida. 

           Com a entrada de um rival, algumas mulheres se encolhem, enquanto outras ficam tão tomada pela disputa, que "vencer" se torna a questão principal. Essas reações estão ligadas à primeira luta amorosa. Procurar evidências, embora humilhante, é uma forma de não ficar sofrendo passivelmente. 

             Muitas vezes  a sexualidade desenfreada que atribuímos a nosso parceiro é apenas aquela que nós mesmos gostaríamos de estar vivendo. O trauma de uma infidelidade pode levar o casal a reavaliar sua relação e analisar seus pontos de vista. Esta pode ser a forma encontrada por um dos dois para forçar essa confrontação. 

Nicéas Romeo Zanchett

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