Na mitologia greco romana, as referências aos deuses portadores de sexualidade são intensas. Entre ele Pã, Priapo, Dionísio, Zeus, Apolo, Eros, Hera, Deméter, Afrodite, além dos Silenos e Centauros. Cada uma dessas divindades representa uma forma de iniciação à sexualidade. Trata-se de um modelo de fantasia pelo qual é possível experimentar as várias modalidades do instinto sexual.
O culto a essas divindades e os ritos iniciáticos realizados em seus templos são vividos como mistério do masculino e do feminino. Eles retratam a aquisição do conhecimento sobre a vida e a morte, implicando na transformação da consciência e respeito da sexualidade.
Na nossa cultura religiosa judaico-cristã, não dispomos de uma imagem divina como exemplo a ser seguido na iniciação sexual. Na mítica cristã, por exemplo,a figura de Cristo apresenta-se totalmente destituída de afetos, ideias ou atitudes sexualizadas. No mito judaico-cristã, o surgimento de um novo padrão de consciência e a tomada de conhecimento do poder criador, soba forma da descoberta da sexualidade por Adão e Eva, configuram realidades a eles interditadas. Eles descobrem a sexualidade e seus poderes sem a permissão do deus criador. Na simbologia, depois de comerem a maçã e acordarem para um novo tempo, homem e mulher se descobrem nus e se envergonham. Comer o fruto proibido da árvore do conhecimento representa descobrir em si mesmo a capacidade para conceber outro ser à sua imagem e semelhança. Naquele momento, homem e mulher unidos descobrem-se como criatura e criador.
Saber que somos seres sexualizados e, portanto, com competência para gerar outro ser semelhante a nós mesmos nos confere poderes temerários que demandam um padrão de consciência alicerçados na condição reflexiva. A capacidade de questionar a si mesmo colocando-se no lugar do outro.
O conhecimento consciente da sexualidade representa a entrada de um grandioso quantum de energia que se traduz por um estado de confusão mental, permeando sentimentos dispares: prazer, medo, vergonha, etc. Durante as transformações da adolescência, ritos iniciáticos são necessários para aprender lidar com esse fenômeno tão pouco compreendido. A masturbação é o modo mais prático que permite conhecer os instintos sexuais, desejos e o próprio corpo.
O corpo denuncia o sofrimento da alma. O estudo das manifestações mórbidas da psique; a psicologia demonstra que a grande maioria dos distúrbios orgânicos expressa tentativas de solução ou disfarces para os conflitos internos. Muitos dos sintomas corporais são mensagens ou expressões da psique e podemos encontrar neles um significado simbólico. É possível facilmente constatar que esses distúrbios estão ligados à negação ou representação da sexualidade.
Em um ciclo de conferências da Universidade Ford-ham, em Nova Iorque, em setembro de 1912, Jung propõe que a etiologia da neurose não seja mais buscada no passado, em desejos sexuais infantis reprimidos, mas no presente, convertendo a neurose em um malsucedido ato de adaptação às dificuldades atuais. A psicologia junguiana utiliza os mitos como recursos de ampliação de materiais psíquicos.
A TPM - tensão pré-menstrual, síndrome caracterizada por retenção hídrica e alterações humorais, pode ter seu sentido simbólico ampliado pela dinâmica de Dionísio, deus da orgia, do êxtase, da embriaguez, do prazer, da fertilidade, mas também do úmido e do quente (contrates), cultuada por todos e cada manifestação cotidiana de festejo pela vida. Quando, ao contrário, ele é negado pela rigidez de nossas estruturas sócio-culturais (como inflexibilidade ou condutas obsessivo-compulsivas), simbolicamente se manifesta pelo "enlouquecimento do corpo", pela irritabilidade, por dores físicas, etc.
A grande deusa Deméter, perseguida por Poseidon, metamorfoseia-se em égua e é violentada pelo deus cavalo. Deméter concebe dois filhos desse encontro: o filho cavalo Árion e a filha Despoina (ou Despina) que significa neve, frieza, algo gélido, expressão incontestável do seu feminino ferido. O único lugar onde Despoina pode ter seu nome pronunciado é nos ritos de Elêusis, dentro do recinto sagrado. Desse relato mítico é possível inferir que a frigidez feminina é decorrente de abusos, violência explícita ou de caráter estritamente emocional.
Pã, deus da floresta e dos campos, que deu origem á palavra "pânico", é abandonado pela sua mãe Filira, que fora violentada por Crono. Pã é levado pelo pai ao Olimpo, onde é criado e recebe dotações de todas as divindades. Pã desce à Terra e, desejoso de companhia, fica a observar as ninfas. Para atraí-las toca divinamente sua flauta doce. Quando fascinadas, as jovens se aproximam e ele sai de trás dos arbustos, se mostra por inteiro e corre em direção a elas. Era um jovem belíssimo da cintura para cima, mas excitado pela presença feminina, exibe seu pênis de cavalo com tamanho descomunal. As ninfas, ao vê-lo, fogem "em pânico" - o que sugere uma problemática sexual no cerne dessa síndrome.
Dafne, inca da beleza espetacular, atrai Apolo que se apaixona por ela e tenta seduzi-la. Em um primeiro momento, a jovem ignora a presença divina, mas Apolo insiste e Dafne foge desesperada. Para enganá-lo transforma-se em fêmeas de muitas espécies de animais. O deus não desiste e a persegue também metamorfoseado na forma animal de machos correspondentes às fêmeas. Por fim Dafne, exaurida pelo assédio, implora que seu pai, o rio Peneu, a transforme em uma árvore - o Loureiro. Apolo, não podendo possuí-la, arranca-a do solo, leva-a para seu jardim e faz de seus ramos e folhas uma coroa de louros, mantendo-a como eterna prisioneira. Nesse caso, a casca e o tronco da árvore podem ser vistos como a armadura protetora usada pela ninga contra os desmandos da sexualidade. Aqui temos a simbologia dos aspectos psicológicos da obscenidade, em especial suas relações com a sexualidade.
Zeus, o divino deus Olímpico, amou Métis, a deusa da prudência, que concebeu uma filha, Atena. Alertado, entretanto, por um oráculo de que, se tivesse um segundo filho com aquela deusa, o menino seria maior que o pai. Então, para garantir seu lugar de deus supremo, devorou Métis, ainda grávida da primeira filha. Entretanto, a gestação da deusa Atena continuou no corpo de Zeus. Muito tempo se passou até o dia em que ele foi assolado por uma insuportável dor de cabeça. Nada conseguia amenizá-la. Desesperado, procurou seu outro filho Hefeso, o deus artesão das forjas, pedindo-lhe ajuda. Hefeso então criou o machado com o qual cortou a cabeça de Zeus. Nesse instante surgiu Atena, adulta, com 21 anos de idade, vestida e armada, soltando um grito de guerra em defesa do pai.
Ao nos servirmos dessa realidade simbólica podemos olhar para nós mesmos, compreendendo e elaborando melhor os distúrbio da nossa própria sexualidade.
Nicéas Romeo Zanchett
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