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terça-feira, 31 de julho de 2018

A REPRESSÃO SEXUAL DA IGREJA


             Desde os primeiros anos do cristianismo ocidental, a mulher é considerada como "impura" e constitui, então, para o homem, um obstáculo no caminho da santidade. Essa visão da "pecadora" não nos foi dada por Cristo; foi proposta por São Paulo, que pregava a nova religião numa sociedade de costumes particularmente corrompidos. 
              Historicamente a Igreja Romana sempre desprezou o sexo. Santo Agostinho, o mais célebre dos Padres da Igreja, considerava incompatíveis com Deus e a Natureza, numa perspectiva sobrenatural. Essa atitude, profundamente arraigada, torna difícil a adaptação da Igreja à nova sociedade que, após ter reabilitado a sexualidade, a liberta e exalta. 
               A aspiração a uma revisão dos valores, a uma reabilitação dos princípios de prazer, surgiu num Ocidente próspero. Foi engendrada pela própria prosperidade. Entretanto, esse Tema ainda é tratado com superficialidade, tanto nas pesquisas como nas discussões, por grande número de pais, professores e responsáveis pela nossa sociedade. 
                 Duas ideias governam os textos bíblicos que tratam da sexualidade: a primeira é que o sexo é um mistério que é preciso cercar de respeito; a segunda é que o casamento é a forma desejada por Deus para as relações sexuais. Entretanto, os judeus das origens do cristianismo acreditavam que os prazeres da vida deviam ser vividos plenamente. No antigo testamento não existe nenhuma proibição às relações sexuais antes do casamento, como também, nenhum trecho da bíblia rebaixa a mulher para exaltar o homem. Foi depois do exílio que o povo judeu desenvolveu a ideia de que os prazeres, particularmente o prazer sexual, deviam ser condenados. 
                  A igreja considera o corpo, especialmente da mulher, como instrumento privilegiado da tentação. A incessante exaltação do celibato por São Paulo, revela seus profundos problemas pessoais em relação à sexualidade. Alguns religiosos, apaixonados por psicanálises, acreditam ver em seus propósitos uma homossexualidade latente e reprimida. São Paulo marca o ponto de tradição entre a atitude sadia e positiva para o corpo, que caracteriza o Antigo Testamento e o próprio Jesus, e a atitude dualista e negativa que não parou de se expandir no Ocidente. Ele aconselhava os cristãos preocupados com a saúde e seguiram seu exemplo e não se ligaram a nenhuma mulher. 
                 A moral cristã foi, aos poucos, se edificando em volta da convicção de que a sexualidade devia ser evitada como o "mal essencial", à exceção do mínimo que considerava necessário para manter viva a raça humana. A prática sexual só foi desculpável na procriação. Com isso a Igreja considerava que tinha encontrado o ponto de equilíbrio declarando que o ato sexual em si não era condenável,  condenável era o prazer que dele tiravam os indivíduos. 
               Os moralistas escolásticos editaram um código que regulamenta no menor detalhe a vida sexual. Dele, em nenhum estágio, o pecado é totalmente excluído, pois que a paixão necessária para desencadear o ato criador constitui um pecado, mas a gradação do pecado atinge o extremo. Para homens e mulheres casados criou-se camisas que permitiam conceber com um contato reduzido entre os corpos. Entretanto, as poluções involuntárias são classificadas como pecados. Fazer amor em sonhos, durante o sono, ainda é considerado crime que deve ser declarado no confessionário. Na sombra do confessionário, os padres escutam as consciências e, como policiais, interrogam aquilo que consideram pecados da carne. Mas isso não é motivo de preocupações para os fiéis, pois podem pecar à vontade, desde que contem ao padre para ser perdoado. 
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Nicéas Romeo Zanchett 


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quinta-feira, 26 de julho de 2018

BENEFÍCIOS DA MASTURBAÇÃO

                



                 O preconceito com uma atividade natural e sadia que envolve o prazer de descobrir o próprio corpo e o prazer conduzem à culpa e à vergonha. Por isso, a masturbação é frequentemente vivida como um tabu, algo impróprio e escondido.
                  Conhecer o próprio corpo é um processo natural e enriquecedor, experimentado pela criança mas, não raro censurado pelo adulto, geralmente por questões religiosas; é um assunto que os pais evitam conversar com os filhos, principalmente do sexo feminino; a palavra está intimamente associada ao pecado e proibição.  
             Falando da sexualidade feminina, Sigmundo Freud, dizia que tratava-se de uma questão muito delicada e que difere inteiramente da masculina. Afinal de contas, o homem tem apenas uma zona erógena principal, um só órgão sexual, ao passo que a mulher tem duas: a vagina, o órgão genital propriamente dito, e o clitóris, análogo ao órgão masculino. 
         Por mais liberais que sejam, muitas mulheres ainda carregam de culpa o ato da masturbação. Mas não há porque ter medo do prazer que seu corpo pode lhe dar. 
                Para o menino, a mãe continua sendo o principal - que ele considera o único - amor de sua vida; portanto, em  suas primeiras fantasias ela sempre estará presente. Essa obsessão pela mãe vai pouco a pouco sedendo espaço a novas fantasias com amiguinhas que lhe são atraentes. 
                Já o desenvolvimento da sexualidade feminina é mais complexo. Ela tem a tarefa de abandonar o que originariamente constitui sua zona erógena genital - o clitóris - em favor de outra, a vagina, bem como trocar seu objeto amoroso original  - a mãe - pelo pai. No entanto, nem sempre este caminho é percorrido pela mulher. Parece-nos muito evidente que as meninas se masturbam com menos frequência, menos energia e mais pudor do que os meninos. E sempre a masturbação feminina é mais carregada de culpa devido às proibições infantis e à intensa pressão social, que interferem e perturbam o curso natural dos processos de seu desenvolvimento. 
                 Hoje as mulheres vão para a cama exigindo reciprocidade de prazer. Elas querem orgasmo tanto quanto o parceiro. Transar pode ser uma brincadeira, mas o beneficiado não pode ser apenas um. No entanto, não são poucas as mulheres que dão prazer ao marido e depois, para gozar, se masturbam escondidas. Por maiores que sejam a experiência e a segurança de um homem em relação às mulheres, sempre haverá um momento em que ele se perguntará sobre a sua verdadeiras capacidade de dar prazer a elas. Isso vem acontecendo depois que um número maior de mulheres passou a exigir o seu direito ao prazer e a usar uma parte de seu corpo (até então relativamente desprezada pelos homens) como uma das fontes mais importantes desse prazer: o clitóris. O grande veículo de glorificação do clitóris foi o Relatório Hite Sobre a Sexualidade Feminina, publicado em 1976. Sua repercussão entre as mulheres foi tão grande que alguns homens se assustaram e passaram a classificá-lo como um "manual de masturbação feminina". 
                   Mesmo com toda a liberdade sexual, hoje ainda existem muitos preconceitos e tabus em torno da masturbação. Sentimentos contraditórios, como vergonha e culpa, se misturam às antigas crenças de que se masturbar faz mal ou pode levar à frigidez e até à loucura. Com isto perde-se a chance de conhecer o próprio corpo e descobrir o prazer de se dar prazer.  Esse exercício solitário nos leva a conhecer os limites do próprio corpo e também onde está o prazer.  
                  Desde a antiguidade que que a "pseudo cultura" e a religião fazem o possível para acabar com as fantasias sexuais. Isto equivale  dizer que existe certos seres humanos sem imaginação e com "maus pensamentos", sem desejos sexuais ocultos, e que vivem bloqueando o sexo. 
                Vivemos um momento histórico muito difícil, principalmente para os adolescentes. Os riscos de contrair DST é enorme. A masturbação é a forma mais "segura"  de sentir prazer e a melhor forma de conhecer o próprio corpo para ter mais satisfação na relação a dois. Além disso, o sexo solitário é fundamentalmente uma forma de relaxar. 
                 Muitas mulheres levam a masturbação do seu parceiro para o lado pessoal. Temem que não estejam dando conta do recado ou que não a desejam mais. Grande engano. A masturbação do parceiro, nem de longe, deve ser encarada como rival. Ao contrário, pode ser uma boa aliada que irá ajudá-la porque ele conhecerá melhor o próprio corpo e, assim, terá mais criatividade na hora do amor. 
        As mulheres apresentam uma tendência a canalizar o interesse sexual única e exclusivamente para seu parceiro. Mas o que elas não sabem ou não percebem é que, muitas vezes, são a inspiração e deveriam sentir-se lisonjeadas pela homenagem solitária que ele está lhe fazendo. Para provocar um orgasmo, o homem, além da fricção, precisa da imaginação; imaginar aquela "gostosa" que ele quer só para si. Estudos clínicos já derrubaram a velha teoria feminina de que quanto menos sexo o homem fizer em em casa, maior será sua necessidade de se masturbar. 
                 No final de 2008, alguns sociólogos da Universidade de Chicago fizeram uma pesquisa sobre o sexo solitário nos Estados Unidos. Colheram depoimentos de 3.116 pessoas de 18 a 60 anos, sendo 1.769 mulheres e 1347 homens. A pergunta era: "Nos últimos 12 meses, com que frequência você se masturbou?" A primeira conclusão foi que os homens se masturbam pelo menos uma vez por semana, mesmo depois dos 50. Já as mulheres começam aos 20, com uma média de uma vez por mês, e, depois dos 40, quase nem se lembram de conversar a sós com a amiga mais íntima. O estudo - publicado no Journal of Sex and Marital Therapy - quebrou paradigmas sexuais importantes ao mostrar que a masturbação não é uma forma de compensar a falta de sexo, embora, muitas vezes ajude. A conclusão principal é que mesmo estando numa relação sexualmente estável e mais intensa, tem maior propensão ao prazer solitário. 
                 Um estudo australiano chegou à conclusão de que a masturbação não é apenas prazer, mas também faz bem à saúde. Eles aprofundaram estudos sobre as pesquisas feitas pelo casal Masters e Johnson que estudou mais de 2.000 homens  entre 40 e 69 anos. Comprovaram que os homens entre 20 e os 50 anos que tiveram mais ejaculações foram menos afetados pelo câncer de próstata. A masturbação também ajuda diminuir o estresse e a ansiedade, e deveria ser recomendada por médicos e psicólogos como forma tratamento. 
                
Nicéas Romeo Zanchett 

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terça-feira, 10 de julho de 2018

A MORALIDADE SEXUAL

 
Escultura - Romeo 


                  O maior trabalho da moral sempre foi a regulação sexual, porque o instinto reprodutor cria problemas não só dentro do casamento, como antes e depois dele. e a cada instante ameaça perturbar a ordem social com a sua persistência, a sua intensidade, o seu desprezo à lei e às suas perversões. O primeiro destes problemas diz respeito às relações pré-maritais. Mesmo com toda a liberdade sexual de nossos dias, há sempre um limite imposto pela sociedade. 
                Mesmo entre os animais, o sexo não é completamente livre; a rejeição do macho por parte da fêmea, exceto nos períodos do cio, reduz o sexo a um papel muito mais modesto do que tem ele em nossa espécie. Como disse "Beaumarchais", o homem difere do animal por comer sem ter fome, beber sem ter sede e copular (praticar sexo) em todas as estações. Entre os povos primitivos encontramos algo análogo ás restrições animais no tabu da mulher durante o período menstrual. Fora isso, o intercurso pré-marital é quase sempre livre, nas sociedades mais simples. Entre os índios norte-americanos os jovens uniam-se livremente, sem que mais tarde esse fato constituísse impedimento para o matrimônio.  Entre os papuas, a vida sexual começava muito cedo e a promiscuidade pré-marital era a regra.  A mesma coisa acontecia entre os soyos da Sibéria, os igorots das Filipinas, os nativos da Alta Burma, os cafires  e boximanes, das ilhas Murray, das Andamanes, do Taiti, da Polinésia, do Assam, etc.
                 Sob tal regime não seria de esperar muita prostituição. A "mais velha das profissões" é relativamente nova; só aparece com a civilização, com o advento da propriedade e o desaparecimento da liberdade pré-marital. Aqui e ali encontramos raparigas que se vendem por algum tempo a fim de reunir dote, ou levantar fundos para os templos; mas isto só ocorre onde o código moral o aprova, como um piedoso sacrifício tendente a ajudar os pais pobres ou os deuses famintos. 
                 A castidade vem depois. O que a moça primitiva mais temia não era a perda da virgindade, mas  sim adquirir fama de estéril; com frequência a prenhez pré-marital constituía uma ajuda, em vez de um embaraço, para o casamento, porque provava a fecundidade da mulher. Antes do advento da propriedade, as tribos mais simples tinham em má conta a virgindade, achando-a indicativa de impopularidade. O noivo Kamchadal" que encontrava a sua noiva virgem, enfurecia-se, e insultava-lhe a mãe pela maneira negligente com que educara a filha.  Em muitos lugares a virgindade er considerada como barreira ao casamento, porque punha a cargo do noivo a desagradável tarefa de violar o tabu que lhe proibia derramar o sangue da tribo. Às vezes a moça se oferecia a um estrangeiro, como meio de livrar-se desse tabu. No Tibe as mães ansiosamente procuravam um homem que lhes quisesse deflorar as filhas; no Malabar as moças cercavam nas estradas os passantes e lhe pediam o grande favor, porque "enquanto fossem virgens não encontrariam casamento. Em algumas a noiva era obrigada, no dia do casamento, a dar-se aos hóspedes vindos à festa, antes de entregar-se ao marido; em outras o noivo contratava um homem para lhe desvirginar a noiva; entre certas tribos das Filipinas havia um funcionário, muito bem pago, incumbido de poupar os noivos esse incômodo. 
                  O que sera que transformou a virgindade, de um defeito a uma virtude e tanto a elevou nos códigos morais das mais altas civilizações? Indubitavelmente, a instituição da propriedade. A castidade pré-marital apareceu como extensão ás filhas do sentimento de propriedade com que o macho patriarca olhava para sua mulher. A valorização da virgindade sobreveio quando, no casamento por compra, a noiva virgem começou a alcançar melhor preço que anão virgem; trazia um atestado referente ao seu passado e uma promessa da fidelidade marital, agora tão cara para os homens receosos de que seus bens se fossem para filhos de outros machos. 
                 Os homens, porém, nunca pensaram em aplicar essas restrições a si mesmos; não aparece na história nenhuma sociedade estabelecendo a castidade pré-marital do macho; língua nenhuma ainda cunhou palavra designativa do homem virgem. A aura virginal representava-se unicamente para as moças. Os tuaregs puniam com a morte a irregularidade das filhas ou irmãs; os negros da Núbia, da Abissínia, Somália, etc., praticavam nas meninas a cruel arte de "infibulação", isto é colocar um anel fixo nas partes genitais , de modo a impedir a copula; em Burma e no Sião essa prática subsistiu até nossos dias. Formas de separação surgiram, por meio das quais as meninas eram impedidas de ser tentadas. Na Nova Betanha os pais ricos confinavam as filhas, durante os cinco anos perigosos, em cabanas guardadas por velhos negros;dali não podiam sair e só os parentes as visitavam. Algumas tribos de Borneo também guardavam as moças em rigoroso confinamento. Destes primitivos costumes ao "purdah" dos muçulmanos e hindus, só vai um passo - o que mostra quando perto da selvageria ainda está a nossa civilização. 
                 O pudor sobrevém com a virgindade e o patriarcado. Ainda hoje vemos muitas tribos em que não há o menor vexame na exposição do corpo nu; mas envergonham-se de usar roupas. A África inteira rolou de rir quando Livingstone impediu aos negros que o hospedavam para porem alguma tanga por por ocasião da vinda de sua esposa, madame  livingstone. A rinha de Balonda apresentou-se completamente nua ao receber esse explorador. Em certo número de tribos os pares copulavam publicamente, sem o menor pensamento de vergonha. No começo o pudor é para a mulher o sentimento de que ela é tabu nos seus períodos menstruais. Quando surge o casamento por compra e a virgindade das filhas começa a dar lucro aos pais, a separação e a compulsão à virgindade entram a criar nas meninas o senso do dever de castidade. De novo o pudor mostra-se como sentimento na mulher que, comprada, sente-se em obrigação financeira para com o marido, e refreia-se de gratuitas relações sexuais com outros. O vestuário surge neste ponto, caso motivo de proteção ao corpo já não o tenham engendrado; em muitas tribos as mulheres só passam a andar vestidas depois do casamento, como sinal do seu estado e como meio de  afastar a galanteria; o homem primitivo não concorda com o pensamento de Anatole France, que é o cobrir o corpo que produz a luxúria. A castidade, entretanto, não revela nenhuma necessária relação com a roupa; contam alguns viajantes que na África a moral varia em razão inversa à quantidade das roupas. É claro que o que envergonha os homens depende unicamente dos tabus e costumes locais do grupo. Até recentemente a chinesa envergonhava-se de mostrar o pé, a mulher árabe, de mostrar o roto; e a tuareg, de mostrar a boca; mas as antigas egípcias, as hindus do século 19 e as mulheres de Bali do século 20 (antes que ardentes turistas começassem a aparecer por lá), nunca sentiram a menor vergonho em andar com os seios à mostra. 
                  Não devemos concluir que a moral perde o valor pelo fato de assim variar no tempo e no espaço, e que seria revelação da nossa cultura em história o desembaraçar-nos dos costumes morais do grupo em que vivemos. Antropologia em doses muito pequenas é coisa perigosa. Não há a menor dúvida que a moralidade, como diz Anatole France, "é a soma dos preconceitos dum grupo; e que, como disse o grego Anacarsis, se fossemos juntar os costumes considerados sagrados em algum grupo, e depois retirar dele tudo quanto fosse considerado imoral em outro grupo, nada restaria no monte." Mas isto não prova a desvalia da moral; só prova de quantas maneiras diferentes pode a ordem social ser preservada. Essa ordem é indispensável à vida dos grupos; não há jogo que possa ser conduzido sem regras; o homem necessita saber o que lhe pode vir de outro, nas circunstâncias ordinárias da vida. Daí a unanimidade com que os membros duma sociedade praticam o código moral, coisa tão importante como o conteúdo desse código. Nossa heroica rejeição dos costumes e da moral da nossa tribo, quando na adolescência descobrimos a relatividade da moral, apenas revela imaturidade de julgamento; mais uma década  que se passe e começamos a perceber  a muita sabedoria do código moral que condenávamos, pois que ele consolida a experiência de gerações e gerações anteriores. Cedo ou tarde nos vem a percepção de que mesmo o que é para nós incompreensível pode ser verdadeiro. As instituições, convenções, costumes e leis que formam a complexa estrutura duma sociedade provém do trabalho de centenas de séculos e de milhões de espíritos; um só espírito pode esperar compreendê-lo durante apenas uma vida - e muito menos aos vinte anos de idade. Temos de concluir que a moral é relativa, mas indispensável.   
              Desde que os velhos costumes básicos representam a seleção natural duma série de modos de agir durante séculos de experiência e erro, podemos esperar descobrir alguma utilidade social, ou valor de sobrevivência, na virgindade e no pudor, a despeito da histórica relatividade dessas instituições, da sua associação ao casamento por compra e das suas contribuições para as neuroses. O pudor era a retirada estratégica que permitia à moça melhor escolha do companheiro, ou a forçava a mostrar as suas mais belas qualidades antes de vencê-la; os embaraços que o pudor levanta contra o desejo do homem geram aqueles sentimentos de amor romântico que elevam a mulher aos seus olhos. A demonstração, ou revelação, da virgindade destruiu a naturalidade da primitiva vida sexual; mas, ao diminuir a precocidade do sexo e a maternidade muito prematura, diminuiu também o espaço entre a natural maturidade sexual, bem como a econômica.  Provavelmente serviu para fortalecer o indivíduo no físico e no mental, prolongando a adolescência e a educação, e desse modo elevando o nível da raça humana. 
                 À medida que a instituição da propriedade se desenvolveu, o adultério foi passando de "pecado venial" a "pecado mortal".  Metade dos povos primitivos não lhe atribuem nenhuma importância. Mas o surto da propriedade não só levou à exigência da completa feminina, como gerou no homem o senso de domínio em relação à esposa; mesmo quando o marido emprestava a esposa a um hóspede, o que vemos é o uso dum ser que lhe pertence de maneira absoluta. O costume do suttee veio completar esta concepção: a mulher era sacrificada e enterrada no túmulo do marido, com todos pertences deste. Durante o regime do patriarcado, o adultério equiparou-se ao furto; equivaleria hoje a apropriar-se duma propriedade que não lhe pertence. O castigo variava de grau, indo da indiferença, nas tribos mais simples, ao estripamento da adultera, observado em certas tribos da Califórnia. Após séculos de punição, a nova virtude da fidelidade da esposa estabeleceu-se firmemente e gerou uma consciência no coração feminino. Muitas tribos de índios surpreenderam os conquistadores com a irrepreensível conduta das esposas; e certos viajantes lamentam que as mulheres da Europa e da América não possam se igualar em fidelidade marital às da Papuásia e do Reino Zulu.
                  Essa fidelidade era mais fácil para as papuas, desde que entre suas tribos, como na maioria dos povos primitivos, poucos embaraços se levantavam contra o divórcio. As uniões raramente iam além de poucos anos, entre os índios da América. "Grande número de homens velhos ou maduros", diz Schooleraft, "contam das muitas mulheres que tiveram, e dos muitos filhos espalhados pelo mundo, que lhes são desconhecidos. Eles se "riem dos europeus por terem uma só mulher, e por toda vida; admitem que o Espírito Bom os formou para serem felizes e não para permanecerem amarrados, salvo aos que o desejem por força da congenialidade." Os índios cherokees mudavam de mulher três ou quatro vezes por ano; os somoanos, que eram muito conservadores, mantinham a mesma mulher por três anos em média. Com o advento da vida agrícola, as uniões se tornaram mais permanentes. Sob o sistema patriarcal, o homem considerava antieconômico divorciar-se, porque de fato isso era perder uma escrava. Como a família se tornara a unidade de produção social, o progresso vinha do tamanho e da coesão das famílias; era de vantagem que a união s prolongasse até que o último filho estivesse criado. E chegada essa época, já nenhuma energia restava aos cônjuges para mais romance. O que, de novo, trouxe o divórcio ao mundo foi o surto da indústria urbana e a consequente redução do tamanho e da importância econômica da família. 
                  Em geral, através da história, os homens sempre quiseram muitos filhos, e por essa razão declaravam sagrada a maternidade; mas as mulheres, à quais cabia todo o peso da reprodução, secretamente se rebelavam, e usavam todos os meios para escapar à gravidez e, portanto, a essa pesada tarefa. Os homens primitivos não se preocupavam em restringir a população; as crianças eram elementos aproveitáveis, e os homens só lamentavam que não fossem todas do seu sexo, pois lhe seriam de maior utilidade. Foi a mulher que invetou o aborto, o infanticídio e o repúdio da concepção - embora nas primitivas sociedades isso só acontecesse esporadicamente. Parece-nos espantosa a verificação da similaridade de motivos entre o "selvagem" e o "civilizado" quanto á evitar ter novos filhos. Fugir aos trabalhos da criação, preservar a mocidade, evitar a desgraça da maternidade extramarital, medo da morte no parto, etc. já eram justas preocupações das mulheres.  Diante disso, o processo mais simples de reduzir a maternidade consistia em negar-se a mulher a ter relações com o homem no período de amamentação, a qual podia ser prolongada por muitos anos. Às vezes, entre os índios Cheyenees, as mulheres adotavam por anos o costume de se recusarem a tr novo filho antes que o primeiro fizesse dez anos. Na Nova Bretanha as mulheres não tinham filhos até dois e três anos depois do casamento. Os Guaicurús do Brasil foram diminuindo de número, porque as mulheres se recusavam a ter filhos antes dos trinta anos. Entre os papuas o aborto era frequente; "filhos são carga pesada", disse uma mulher; nós andamos cansadas de filhos". Algumas tribos maoris usavam ervas, ou alteravam a posição do útero para evitar a concepção.
                 Quando o aborto falhava, vinha o infanticídio. Mutos povos admitiam a matança do recém nascido, se aparecia disforme ou doente, ou se era bastardo, ou se a mãe morrera no parto. Outras tribos matavam os filhos dados à luz sob más circunstâncias; o naturais de Bondei estrangulavam os que nasciam de cabeça; os de Madagascar abandonavam, afogavam ou enterravam vivas as crianças que vinham em março ou abril, ou nas quintas e sextas-feiras, ou na última semana de cada mês. Se alguma mulher procriava gêmeos, isso era, em algumas tribos, prova de adultério, já que um mesmo homem não podia ser ao mesmo tempo pai de duas crianças; e por isso, uma ou as duas eram condenadas à morte. A prática do infanticídio prevalecia sobretudo entre os nômades, aos quais o nascimento de crianças constituía embaraço durante as marcas. A tribo dos "bangerangs" matava no nascedouro metade dos filhos; os nativos do Chaco Paraguaio só permitiam uma criança por família, em cada espaço de sete anos; os "abipones" faziam como os franceses: duas crianças em cada casa, e matavam as que vinham a mais. Quando ameaçadas de carestia, muitas tribos estrangulavam as crianças de peitos - outras as comiam. Em regra as meninas eram mais expostas ao infanticídio; às vezes torturavam-nas até a morte a fim de induzir a alma, quando de novo se reencanasse, a escolher o sexo masculino. O infanticídio era praticado sem crueldade e sem remorso, porque logo que dá à luz, a mãe não sente nenhum amor instintivo pelo filho. 
                  Se a criança vivia algum tempo, estava liberta desse destino; surgia o amor na sua primitiva simplicidade; e em muitos casos a dedicação das mães igualava à das mulheres modernas. Por falta de leite de vaca e outros alimentos adequados, a mãe amamentava o filho até dois anos, às vezes até quatro, às vezes até doze anos; um historiador conta que um menino já fumava  e ainda não desmamara; muitas vezes uma criança abandonava o brinquedo -ou o trabalho - para ir agarrar-se ao peito materno. A mãe negra costumava trazer o filhos nas costas durante o trabalho, e o amamentava jogando o comprido peito para trás. A disciplina primitiva era indulgente, mas não ruinosa; a criança ficava entregue a si mesma, tendo de enfrentar as consequências da sua estupidez, insolência ou pugnacidade; o aprender vinha passo a passo. O amor filial e o paternal mostram-se muito desenvolvidos na sociedade natural. 
                  Perigos e doenças abundavam, de modo que a mortandade infantil sempre foi alta. O período da mocidade era breve, porque as responsabilidades maritais e marciais começavam muito cedo, e os rapazes tinham de enfrentar os trabalhos de defesa dos grupos.  Consumiam-se as mulheres no carregar crianças, e os homens no prover alimentos para a família. Quando o filho mais velho estava criado, os pais já nada mais valiam para ele; pouco tempo sobrava para a vida individual, tanto no começo como no fim da vida individual, no começo e no fim de uma existência humana. 
                 A moral na Babilônia tem fatos muto interessantes. A religião, como sempre, regulava as relações humanas.  
                 O historiador Heródoto (pai da história) nos traz as seguintes informações para refletirmos:
                 " Cada mulher da Babilônia era obrigada, uma vez na vida, a postar-se no templo de Vênus e ter relações sexuais com algum desconhecido. Muitas, desdenhando misturar-se com as outras, por serem ricas, vinham em carruagens cobertas, e tomavam lugar no templo rodeadas da comitiva dos servos. Mas pela maior parte faziam assim: uma sentavam-se no templo, com uma coroa de corda na cabeça; outras estavam continuamente entrando e saindo. Ficava entre elas, em aberto, um corredor, por onde passavam os homens que vinham fazer sua escolha. Quando uma mulher se sentava, não podia voltar para casa antes que um homem lhe lançasse ao colo uma moeda de prata - e saísse com ela do templo.O que lançav a moeda dizia: "Suplico à deusa Mylitta que te favoreça"; porque para os assírios, Vênus era Mylitta. (Os gregos chamavam os babilônios de assírios. Mylitta era uma das formas de Ishtar.)  A moeda podia sr das menores e a mulher não tinha o direito de rejeitá-la, porque era sagrada. As mulheres seguiam o primeiro homem que as escolhesse, não se recusando a nenhum. E depois de realizado o intercurso, e já livres da obrigação para com a deusa, voltavam para casa; e depois disso, por mais alta soma que lhes oferecessem, não teriam os seus favores. As dotadas de beleza de formas livravam-se logo da obrigação; mas as feias ou disformes ali ficavam longo tempo, incapazes de satisfazer a lei, algumas chegar a ficar três ou quatro anos; às vezes um homem, por bondade as chamava e assim as livrava do sacrifício à deusa."
                 Qual seria a origem deste estranho rito? Relíquia do velho comunismo sexual? Concessão do jus prime noctis? (direito à primeira noite), feita pelo futuro noivo á comunidade representada por um anônimo qualquer? Proviria do antigo tabu contra o derramamento de sangue na tribo? Preparação física para o casamento, como ainda hoje a vemos entre certas tribos australianas? Ou era um simples sacrifício à deusa - a oferta dos primeiros frutos? Não o sabemos. 
                 Tais mulheres, entretanto, não eram prostitutas. Destas havia várias classes vivendo nos templos, onde conduziam o comércio do corpo e às vezes juntavam grandes fortunas. As prostitutas do templo eram comuns na Ásia Ocidental; encontramo-las em  Israel, na Frígia, na Fenícia, na Síria, etc.; na Lídia e em Chipre as moças juntavam, desse modo, o dote para o casamento. A prostituição sagrada só foi abolida na Babilônia pelo imperador Constantino em 325. Mas a prostituição comum, conduzida em casas próprias, essa continuou. 
               O individualismo como liberdade, constitui luxo da civilização. Unicamente com o albor da história encontramos homens e mulheres livres das cargas da fome, da religião, da reprodução e da guerra, aptos, portanto, para se dedicar  aos valores do lazer, da cultura e da arte. Portanto, meu conselho é liberdade individual. 
Nicéas Romeo Zanchett 

A HISTÓRIA DO CASAMENTO


         O casamento pode ser definido como a associação do macho e da fêmea para fins de proliferação. Mas, em nossos dias, evidentemente, tudo começa pela atração sexual. Mais uma vez, os hormônios são o irresistível ímã que une os casais. Entretanto isso nem sempre foi assim; houve um longo tempo em que se tratava de um simples comércio entre pessoas e famílias. 

              Na verdade, o casamento foi inventado pelos animais. É importante observar que alguns pássaros vivem em absoluta monogamia e sem divórcio. 
              O instituto do casamento já passou por todas as formas possíveis, desde o simples cuidado da prole sem a associação dos pais, até à moderna associação dos sexos sem o cuidado dos filhos. 
                Entre os gorilas e orangotangos a associação dos pais continua depois de finda a lida com a prole, e ainda apresenta outros aspectos humanos. Qualquer deslise por parte da fêmea é severamente punido pelo macho.O estudioso Crespígny, disse que os orangotangos de Borneo vivem em família, geralmente formada pelo macho, uma fêmea e seus filhos; conta, ainda, que não é raro ver os pais sentarem-se sob uma árvore, e lá ficarem conversando e comendo frutas enquanto os filhos saltam de galho em galho na maior alegria. Isso nos leva a concluir que o casamento é muito mais velho que o homem. 
                 Em "Futuna e no Hawaii" a maior parte dos nativos não se casam; os de Lubus transam indiscriminadamente, sem nenhuma concepção de casamento; certas tribos de Borneo são sexualmente livres, como os pássaros; e na primitiva Rússia o homem se utilizava das mulheres sem cerimônia ou distinção; dessa forma nenhuma tinha um macho fixo. 
                 Os pigmeus africanos não davam a menor importância e muitos nem conhecem o casamento; seguem seus instintos sem nenhuma restrição. Mas, ao que tudo indica, esse primitivismo já passou, muito embora ainda subsistam; ainda hoje, em certas culturas, que o monopólio de uma mulher por um homem é contra a natureza e imoral; isso fica bem evidente quando vemos que, ainda hoje, no Mardi Gras, onde existe as festas de "licença" - em que as restrições sexuais são momentaneamente abandonadas- a prática poligâmica continua existir e é comum - "uma espécie de carnaval onde vale tudo".  Temos também as cerimônias do templo de Mylitta, na Babilônia, em que a fim de habilitar-se para o casamento a mulher tinha de dar-se ao homem que a quisesse; também há o costume de emprestar a mulher, essencial em muitos códigos de hospitalidade - lembremos aqui os esquimós. Também tivemos os casos do direito à primeira noite, ("jus primae notis") que autorizava o barão feudal a deflorar a noiva dos seus servos antes que ela passasse às mãos do noivo. 
                 Com o passar do tempo e a evolução cultural, uma variedade de uniões experimentais veio substituir a ligação indeterminada. Entre os nativos de Orang-Sakai a moça ficava algum tempo com cada homem da tribo, passando de um para outro até voltar ao primeiro.  
               Entres os Iacutos da Sibéria, os botocudos da América do Sul, as classes baixas do Tibe e outros povos, o casamento era completamente experimental, e rompia-se por vontade de qualquer dos cônjuges, sem que fossem necessárias quaisquer justificações. Entre os boximanes, qualquer desacordo punha fim à união, e cada qual podia ligar-se com quem quisesse. 
              Um outro sistema de união muito interessante era, segundo o historiador Francis Galton, a esposa era trocadas semanalmente; nos bailes a mulher passava de homem a homem, e por sua vontade deixava o marido por outro que considerava melhor. Jovens, ainda meninas de pouco mais de 10 anos, tinham, muitas vezes, quatro ou cinco maridos, e todos ainda vivos e com os quais mantinham relações sempre que algum dos dois quisesse. 
                  A palavra original para casamento no Hawaii, significa experiência. Entre os taitianos, ha mais de um século, quando não havia filhos, as uniões eram livres e dissolúveis à vontade; e se vinha prole, os pais ou a destruíam sem nenhuma condenação social, ou criavam-na e ficavam morando juntos; o homem comprometia-se a sustentar a mulher em troca dos trabalhos de mãe que ela iria ter. 
                   Segundo nos informou Marco Polo, numa tribo da Ásia  Central (na época Peyn e hoje Keriya); se o homem casado se ausentasse por mais do que vinte dias, sua mulher tinham o direito, caso quisesse, de tomar outro marido; e o marido também estava livre para tomar outra mulher. 
                 Como vemos, praticamente toda as formas de casamento compatíveis com a duração das sociedades bárbaras foram experimentais e hoje são praticadas entre vários povos, sem sombra das preocupações morais que prevalecem na atualidade. Vemos que não só as experiências quanto á duração do enlace, mas também o interesse de um pelo outro. 
                Refletindo sobre tudo isso, chegamos à conclusão de que as mais recentes inovações, tanto da moral como do casamento, são bem antigas...      
                Um outro sistema de casamento era o "casamento em grupos", ou seja, um grupo de homens casados com um grupo de mulheres. No Tibe, por exemplo, era costume um grupo de irmãos desposar um grupo de irmãs, onde cada qual podia coabitar com a esposa ou o marido que quisesse. Segundo Cesar, esse costume também havia na Bretanha.  Sobrevivências disso aparecem no "levirato", um costume que existia entre os velhos judeus: o homem era obrigado a casar com a viúva do irmão; isto, porém, causava muitas discórdias, como foi o caso de Onan. 
                Quando se estuda profundamente o que levou o homem a sair da semi-promiscuidade primitiva pelo casamento individual chega-se à conclusão de que não foi o desejo físico, pois havia total liberdade sexual.  
                 O casamento, com suas restrições e irritações psicológicas, não pode competir com uma forma de comunismo sexual como meio de satisfação ao erotismo do homem. Também não seria possível um processo de criar filhos superiores ao então existe - pela mãe, pela família, pelo clã. Diante desses fatos chega-se á conclusão o verdadeiro motivo foi o econômico - isso fatalmente se ligou ao desenvolvimento da instituição da propriedade.  

                 O casamento individual atendeu ao desejo do macho de dispor de escravos baratos e de evitar que suas propriedades acabassem nas mãos de filhos de outros homens. A poligamia, ou o casamento duma pessoa com diversas outras, aparece aqui e ali sob a forma de poliandria - casamento duma mulher com diversos homens, como em algumas tribos do Tibe; o costume ainda sobrevive, onde o número de fêmeas é maior que os de machos. Entretanto, este costume foi logo suprimido pelo macho opressor, passando a poligamia a significar hoje o que diríamos melhor com a palavra poligamia - posse de várias mulheres por um só homem. 
                 Os teólogos medievais acreditavam que a poligamia fora inventada por Maomé, mas podemos vê-la no fundo das idades. Muitas coisas contribuíram para generalizá-la. Nas sociedades antigas, as violentas atividades da caça e da guerra tornavam a mortalidade dos homens bem maior que das mulheres. As mulheres, em excesso, portanto, se viam forçadas a escolher entre a poligamia e o celibato; mas, não sendo o celibato admissível entre os povos sempre necessitados de mais homens, a mulher sem prole via-se desprezada. Aqui não podemos esquecer o instinto do homem que é gostar da variedade. E também há a circunstância de querer o homem um nova companheira. Também é preciso considerar que nas sociedades primitivas as mulheres envelheciam muito cedo e, dessa forma, elas mesmas estimulavam a poligamia. Essa forma de poligamia permitia facilidade de saciar o macho e permitir que a mãe pudesse amamentar melhor e por mais tempo o filho além de reduzir o intervalo entre os nascimentos de filhos. Era muito comum que a primeira mulher, sobrecarregada pelo trabalho, ajudava o marido a conseguir uma segunda, com a qual pudesse repartir a tarefa e proporcionar à família mais prole.    
                Economicamente falando, as crianças eram como um investimento que renderia lucros (trabalho - mão de obra grátis); No sistema patriarcal as mulheres e as crianças não passavam de escravas do homem; e assim, quanto mais esposas e filhos tinha um homem, mais rico se considerava. O pobre se via forçado a ficar na monogamia, sempre atento ao instante em que a sorte lhe permitisse ascender ao paraíso poligâmico. 
                 Não há dúvida que a poligamia era bem adaptada às necessidades maritais da sociedade primitiva com as mulheres em número superior aos homens. Revelava maior valor eugênico do que a monogamia; porque, enquanto nas sociedades modernas os homens hábeis e prudentes casam o mais tarde possível, e só admitem um mínimo de filhos, no regime poligâmico os homens presumivelmente se apossavam das melhores companheiras e tinham o maior número possível de filhos. Daí ter a poligamia sobrevivido em quase todos os povos, e mesmo na maioria dos civilizados; só em nossos tempos começa ela a decair no Oriente. Certas condições opuseram-se-lhe. O decréscimo do perigo e da violência, consequentemente à vida agrícola, igualara o número de homens ao de mulheres; e nestas circunstâncias a poligamia franca só se fazia viável para uma escassa minoria próspera. A massa do povo praticava a monogamia à força, e a temperava-a com o adultério; e os celibatários equilibravam a poligamia dos ricos. O ciúme no macho e o instinto de posse na mulher entraram a influir na situação, à medida que os sexos se aproximavam em número; porque onde os fortes não podiam dispor de muitas mulheres, a não ser tomando as que naturalmente cabiam a outros, a poligamia se tornava difícil  e coisa de poucos. Com o acumulo da propriedade sobreveio o interesse em  não deixa-la repartir-se; tornou-se, pois, desejável diferenciar as mulheres em "esposa principal" e concubinas, de modo que só os filhos da primeira herdassem; essa situação perpetuou-se na Ásia até nossos dias. Gradualmente a esposa principal se tornou a única; as concubinas foram conservadas a parte ou se tornou a única; as concubinas foram conservadas à parte ou despareceram; e quando o cristianismo entrou em cena, a monogamia da Europa tomou o lugar da poligamia como forma legal da associação dos sexos. Mas tanto a monogamia, como as letras e os estado, é coisa artificial; pertence à história, não às origens, da civilização. 
                  Qualquer forma que união dos sexos assumem, o casamento era obrigado entre quase todos os povos primitivos. O homem solteiro consideravam meio homem. Também a exogamia se fizera compulsória, isto é, o homem tinha de tomar esposa em outro clã, não no seu. Este costume surgiu com suspeitas quanto aos males das uniões consanguíneas, ou porque tal forma de união aproximava politicamente os grupos, melhorava a organização social e diminuía o perigo da guerra, ou porque a captura de mulher de outro grupo se tornara signo de máscula maturidade, é um ponto sobre o qual só podemos formar suposições. Em qualquer hipótese, a restrição era coisa mais ou  menos generalizada nas sociedades primitivas, pelos faraós, ptolomeus e incas, que favoreciam o casamento entre irmão e irmã, sobreviveu entre os romanos e nas leis modernas e, consciente ou inconscientemente, molda a nossa conduta de hoje. 
                  Quando não conseguiam tomar mulher de outra tribo, onde a organização matriarcal era forte, o pretendente ia viver no clã da pretendida. Sobrevindo o regime patriarcal, o pretendente tinha permissão, depois de uma temporada a serviço do pai da pretendida, de casar-se e levá-la para seu clã; assim fez Jacó para obter Lia e Raquel. Às vezes o pretendente lançava mão da força. Era uma vantagem, e também distinto, o pretendente raptar a esposa; geralmente essa simples atitude lhe saia mais barato, como novos escravos podiam dispor da raptada, e essas crianças se radicariam à escravidão marital. Tais casamentos por captura, embora não fossem regra, foram muito frequentes nas sociedades antigas. Entre os índios norte-americanos era tão comum as mulheres serem incluídas nos despojos de guerra, que em algumas tribos os maridos e suas esposas falavam línguas mutuamente ininteligíveis. Até o século dezenove os escravos da Rússia e da Sérvia ainda praticavam o casamento por captura. Esse tipo de casamento pode ser considerado como transição entre o casamento matriarcal e o patriarcal.; o macho, recusando-se a viver na tribo de sua mulher, forçava-a a vir para a sua. É bem possível que essa exogamia acabou por substituir a de captura. 
                  Não é difícil vermos vestígios dos costumes entre os povos civilizados, na prática dos convivas estimularem o noivo a pegar a noiva. Isso tudo era consequência  das incessantes guerras entre as tribos e também da eterna luta entre os sexos; luta essa que só tem trégua quando os cônjuges se apaixonam. 
                 A medida em que a riqueza aumentou, tronou-se mais conveniente ao noivo oferecer ao pai um presente, ou uma soma em dinheiro, em troca da filha pretendida, em vez de ir servi-lo, como fez Jacó, ou de arriscar-se ao casamento por captura. Dessa forma, o casamento por compra e arranjos de família generalizou-se. Aparecem, em seguida, as formas de transição; os melanésios raptam suas mulheres e depois legalizam o rapto com uma indenização à família. Entre os nativos da Nova Guiné o homem rapta e esconde a pretendida, e enquanto a mantem oculta manda os amigos negociarem com o pai o preço. A  facilidade com que nesses casos a indignação moral se pazígua financeiramente, é algo bastante curioso. Geralmente o preço é uma vaca, um boi, alguns carneiros, etc; entre os croos, três vacas e um carneiro; entre os cafires, de seis a trinta cabeças de gado, conforme a importância da família da noiva; e entre os togos, uma boa soma em dinheiro e mercadorias. 
                  O casamento por compra ainda prevalece na África, e ainda é comum e normal na China e no Japão, mas se mantém certa discrição; floresceu na velha Índia, na Judeia, e na América Central e no Peru anteriores a Colombo; Por incrível que possa parecer ainda hoje aparece na Europa. Constitui o natural desenvolvimento das instituições patriarcais; o pai é dono da filha, pode dispor dela como lhe melhor lhe aprouver. Os índios do Orinoco justificavam sua atitude dizendo que o noivo tem que pagar ao pai as despesas que tiveram ao criar a moça que ele vai usar. Também era muito comum uma espécie de leilão, onde a moça era exibida a vários pretendentes, para ver qual estava disposto a pagar melhor;  na Somália conduziam-na a cavalo ou a pé, muito enfeitada e a exalar perfumes estimuladores dos pretendentes. Não há notícias de mulher que fizesse objeções ao sistema; ao contrário, todas se orgulhavam quando bem pagas;  se sentiam valorizadas e riam das que se casavam de graça; achavam que no "jogo do amor" o malvado macho estava recebendo muito em troca de nada. Por outro lado, era de uso o pai retribuir o pagamento do noivo com presentes, que no fim correspondessem á soma recebida. Os pais ricos, ansiosos de melhorar a vidas filhas, gradualmente foram aumentando o valor desses presentes - e surgiu a instituição do dote; e a compra do marido pelo pai substituiu a compra da mulher pelo noivo. 
                    Em todas estas formas e variações de casamento dificilmente retraçamos o amor romântico. Poucos casos de casamento por amor observam-se entre os papuas da Nova Guiné; entre outros povos primitivos encontramos exemplos de amor (no sentido de devotamento, não no de desejo mútuo), mas em regra isso nada tinha a ver com o casamento. Neste o homem visava o trabalho barato da mulher, uma proveitosa ligação de família e refeições regulares.  "No Yarita", diz Lander, o casamento era celebrado com a maior despreocupação possível; o homem pensa tão pouco para tomar mulher como para colher uma flor - a afeição absolutamente não entra ali. Já que as relações pré-maritais são abundantes nas sociedades primitivas, a paixão não intervem na escolha da mulher. A ausência de intervalo entre o desejo e a satisfação  impede o surto do amor romântico. Tal amor só aparece nas civilizações elevadas, em que a moral opõe barreiras ao desejo e a riqueza dá a alguns homens elementos para viver a vida dos romances; os povos primitivos eram muito pobres para isso.  Raramente encontramos o amor em seus cantos. Ao verterem a Bíblia para a língua dos índios "algonguinos", os missionários não descobriram, um equivalente para a palavra amor. Os "hotentotes" são descritos como "frios e indiferentes um para o outro", no casamento. Na Costa do Ouro, nem sequer  a aparência de afeição existe entre marido e mulher; e o mesmo se dava na primitiva Austrália. "Perguntei a Baba", diz Cailié, falando dum negro senegalês, "por que não se divertia com suas mulheres. Ele respondeu que se assim fizesse, não mais poderia governá-las". Um nativo da Austrália, perguntado por que desejava casar-se, honestamente respondeu que para ter cozinheira, água e lenha, e quem lhe carregasse a bagagem nas marchas. O beijo, que parece indispensável na América, é completamente desconhecido dos povos selvagens - e motejado, quando conhecido. 
                   Em regra o "selvagem" toma o caso do sexo filosoficamente, à moda animal; não dá importância àquilo, nem se apaixona por ele: é como a comida ou outra coisa qualquer. Não o idealiza. O casamento não constitui nenhum sacramento, nenhum ato que exija cerimônia; mera transação comercial. Nunca lhe ocorre subordinar considerações práticas e sentimentalidades, e até envergonhar--se-ia do contrário, e interpelaria sobre nosso costume de amarrar um homem pela vida inteira só porque, em dado momento o desejo sexual o colheu num coup de foudre. O macho primitivo não olhava para o casamento como licença sexual, mas sim como cooperação econômica. Em vez de beleza preferia, na mulher, a industriosidade; queria-a como um valor que dá renda, em vez de algo que impõe despesas; do contrário o espírito positivo do "selvagem" nunca pensaria em casamento. As uniões eram uma associação utilitária e nunca um prazer privado; era um meio de cooperação para a propriedade. Sempre que na história a mulher cessou de ser um valor econômico no casamento, este decaiu - e muitas vezes decaiu com ele a civilização. 
CASAMENTO NA GRÉCIA ANTIGA
                   Na Grécia clássica, tudo levava mais a relações pre-conjugais do que ao matrimônio. Os gregos consideravam o amor romântico como uma forma de "possessão maligna", ou loucura, e sorririam de quem quer que o propusesse como o melhor guia para a escolha de uma mulher. Normalmente as uniões eram arranjadas pelos pais, como na sempre clássica França, ou por casamenteiros profissionais, com os olhos voltados menos para o amor do que para o dote. O pai devia fornecer certa quantia em dinheiro, enxoval, jóias e talvez escravos. Isso permaneceria como propriedade da esposa e para ela revertida em caso de separação - clausula desanimadora para maridos divorcistas.  Quando a moça não tinha dote as probabilidades de casamento eram pequenas; e por essa razão, quando o pai não podia dotá-la seus parentes se reuniam para fazê-lo. Assim, o casamento por compra, tão comum nos dias homéricos, virou o contrário na Grécia de Péricles; as mulheres tinham que comprar o seu marido. Portanto, o grego não se casava por amor, nem por encontrar algum enanto no matrimônio, mas para perpetuar-se a si próprio e ao Estado por meio de filhos. Não obstante, adiava o máximo que podia o momento de submeter-se aos laços matrimoniais. As leis do Estado vedavam-lhe o celibato, mas nem sempre, nos dias de Péricles, as leis eram cumpridas. Depois de Péricles o número de solteiros aumentou de forma a tornar-se um dos problemas fundamentais de Atenas. Não fosse a Grécia a terra dos mais variados divertimentos! Os homens se submetiam à lei casavam-se tarde, em regra lá pelos trinta, e insistiam em noivas de não mais de quinze anos. "Unir dois jovens pelo matrimônio é um erro", diz um personagem de Eurípides; pois a força do homem é duradoura, enquanto a frescura da beleza bem de pressa abandona as formas femininas. 
                  Feita a escolha e ajustado o dote, solenes esponsais se efetuavam na casa do sogro; devia haver testemunhas, mas a presença da noiva era dispensável. Sem tais cerimoniais nenhuma união era considerada válida perante as leis atenienses; constituía o primeiro ato no complexo rito matrimonial. O segundo, que vinha poucos dias depois, era festa na residência da noiva. Antes de a ela comparecerem, os noivos, cada qual em sua casa, banhavam-se a título de cerimônia purificadora. E na festa os homens das duas famílias sentavam-se de um lado da sala e as mulheres do outro; serviam o bolo do casamento e o vinho jorrava em abundância. Em seguida o noivo acompanhava a jovem até a carruagem - cujo rosto às vezes ainda não vira - vestida de branco e coberta por um véu, levando-a para casa de seus pais; seguia-os uma procissão de amigos e moças flautistas, os quais iluminavam o caminho com tochas e entoavam o cântico do himeneu. Ao chegarem, o noivo atravessava o limiar da casa paterna com a noiva nos braços, como se a estivesse raptando. Seus pais cumprimentavam-na e com cerimoniais religiosas recebiam-na no circulo da família e na adoração de seus deuses; nenhum sacerdote tomava parte no ritual. Em seguida os convivas acompanhavam o casal ao aposento que lhe fora reservado, cantando uma canção da alcova nupcial; e mantinham-se do lado de fora, cantando insistentemente até que o noivo viesse anunciar a consumação do matrimônio. 
                 Além da esposa os homens podiam tomar uma concubina. "Temos cortesãs por amor ao prazer," diz Demóstenes, "concubinas para a saúde diária de nossos corpos e esposas para dar-nos filhos legítimos e serem as fieis zeladoras do nosso lar - eis aqui uma curiosa sentença sobre o conceito grego da mulher na idade clássica. As leis de Dracon permitiam a concubinagem; e depois da expedição à Sicília, no ano 415, quando o número de cidadãos diminuiu em virtude da guerra e, por tal razão, muitas moças não conseguiam encontrar maridos. Para amenizar o problema a lei explicitamente passou a permitir casamentos duplos; Sócrates e Eurípides foram dos que assumiram esse patriótico dever.  Em regra a esposa aceitava com resignação a concubinagem, sabendo que a "segunda esposa," logo que perdesse os encantos, passaria irremediavelmente a escrava de casa, e que só os filhos  da primeira mulher eram considerados legítimos. O adultério só era motivo de divórcio quando cometido pela esposa; nesses casos adquiria o marido a fama de carregar chifres" (keroesses) e a tradição exigia que ele mandasse embora a esposa infiel. A lei considerava o adultério da mulher, ou de um homem com uma mulher casada, punível com a morte, mas os gregos eram excessivamente concupiscentes para mantes em prática semelhante decreto. O marido ofendido arrumava-se por si mesmo como melhor lhe parecia - às vezes matando o sedutor em flagrante delito, às vezes incumbindo um escravo de dar-lhe uma surra, às vezes contentando-se com uma indenização em dinheiro. 
                   Para o homem era o divórcio coisa simples; podia a qualquer tempo despedir a esposa, sem declaração da causa. Esterilidade constituía motivo suficiente para que um homem abandonasse a esposa, já que o objetivo do matrimônio estava na procriação. Se fosse o homem o estéril, a lei permitia - e a opinião recomendava - substituição do marido por um parente; a criança nascida dessa união era considerada como filha do marido e ficava no dever de zelar pela alma do suposto pai, quando esta se desprendesse do corpo. A esposa não podia abandonar o marido quando quisesse; tinha de requerer o divórcio perante os arcontes, com alegação de crueldade ou excessos do companheiro. O divórcio também era concedido por consentimento mutuo, geralmente expresso ao arconte numa declaração formal. Dada a separação, mesmo quando o marido fosse culpado de adultério, os filhos ficavam com o homem. Em resumo, na questão de relações sexuais, os costumes e leis atenienses revelavam a autoria masculina, e simplificavam um retrocesso oriental em relação às sociedades do Egito, de Creta e da Idade Homérica. 


CASAMENTOS NA BABILÔNIA
Babilônia - capital da antiga Suméria e Acádia, no sul da Mesopotâmia. 
                 Em regra, os babilônios gozavam de considerável experiência pre-matrimonial. Aos dois sexos era permitido a união livre, o "casamento de experiência", rompível à vontade das partes; mas, em tais casos, a mulher tinha de usar no vestuário uma azeitona de pedra ou  terra-cota como sinal de que era concubina. 
                 O casamento legal era arranjado pelos pais e sancionado pela troca de presentes - reminiscência do casamento por compra. O noivo dava ao pai da moça algo substancial, mas este tinha de retribuir com coisas de muito maior valor, de modo que não podemos afirmar que houvesse compra de nenhum dos lados. Às vezes, entretanto, a compra era real; Shamashnazir, por exemplo, recebeu dez sikels como preço de sua filha. 
                    Na Judeia o pai podia vender a filha antes da puberdade, tinha pleno direito de casá-la com quem quisesse. Entre eles havia uma crença de que os rapazes provinham do testículo direito e as meninas do esquerdo - admitido como menor e mais fraco que o outro. No começo o casamento era matriarcal: o homem tinham de submeter-se à sua mulher, deixando sua família e passando a viver no clã desta. As instruções de Jeová para a esposa eram categóricas. "Teu desejo será o de teu marido e ele te governará." Embora tecnicamente sujeita, a mulher muitas vezes se tornava uma pessoa de alta autoridade e dignidade; a história dos judeus está repleta de nomes femininos importantes: Sara, Raquel, Miriam e Ester. Débora foi um dos juízes do Israel. A mãe de muitos filhos gozava de segurança e honras. A intenção era evidente: a pequena nação judaica ansiava por crescer e multiplicar-se. Por essa razão exaltava a maternidade, condenava como crime o celibato, tornava o casamento compulsório depois dos vinte anos, mesmo para os sacerdotes; tinha em má conta as virgens casadoras e as mulheres estéreis, e olhava para o aborto, o infanticídio e outros meios de limitar a população como abominações pagãs desagradáveis ao olhar do Senhor. A mulher perfeita era aquela que trabalhava constantemente dentro ou em volta da casa e só tinha pensamentos para o marido e os filhos. 
                Segundo Heródoto, Pai da História, os que tinham filhas casadoras costumavam trazê-las, uma vez por ano, a um lugar onde grande número de homens as rodeavam. O leiloeiro aparecia e as vendia todas, uma depois da outra. Começava com a mais formosa e, depois de alcançar por ela o máximo, passava à segunda. Mas só as vendia com a condição do comprador desposá-las... Este sábio costume já não existe. 
                     A família patriarcal judaica era uma unidade econômica e política, composta do chefe , suas mulheres, os filhos solteiros e os casados, com suas esposas e crianças. A basa econômica da família estava no cultivo do solo; o seu valor político vinha de promover uma ordem social tão forte que tornava o Estado inútil, a não ser quando havia guerra. A autoridade do pai não tinha limites; sua era a terra, e os filhos só podiam sobreviver graças à obediência; o pai era o estado. Quando o pai era pobre, podia vender a filha até mesmo antes da puberdade, como serva; e embora ocasionalmente a consultasse, tinha pleno direito de casá-la com quem quisesse. Acreditava-se que os meninos provinham do testículo direito e as meninas do esquerdo este admitido como menor e mais fraco que o outro. 
                     No começo o casamento fora matriarcal; o homem tinha de deixar o pai e mãe e submeter-se à sua mulher no clã desta; mas este costume gradualmente foi desaparecendo depois do estabelecimento da monarquia. As instruções de jeová para as esposas eram categóricas: "Teu desejo será o de teu marido e ele te governará."  Conquanto teoricamente sujeita, a mulher muitas vezes se tornava uma pessoa de alta autoridade e dignidade; a história dos judeus brilha de nomes femininos, Sara, Raquel, Miriam e Ester; Débora foi um dos juízes de Israel, e a profetisa Hulda Josias, consultou sobre o livro que os sacerdotes encontraram no templo. A mãe de muitos filhos gozava de segurança e honras. Porque a minuscula nação judaica ansiava por crescer e multiplicar-se, percebendo, como na Palestina de hoje, o perigo da inferioridade numérica em relação aos povos vizinhos; por isso exaltava a maternidade, condenava como crime o celibato, tornava o casamento compulsório depois dos vinte anos, mesmo para os sacerdotes, tinha em má conta as virgens casadoras e as  mulheres estéreis, e olhava para o aborto, o infanticídio e e outros meios de limitar a população como abominações pagãs, desagradáveis aos olhos do "Senhor".  (Essa forma de pensar foi trazida para cristianismo e até hoje é levada em alta conta.) "E quando Raquel viu que não dava filhos a Jacó, teve inveja de sua irmã e disse a Jacó: Dai-me filhos ou morrerei". A mulher perfeita era a que trabalhava constantemente dentro ou em redor da casa e só tinha pensamentos para o marido e os filhos. 
                   Na "Lei de Deus" o Sétimo Mandamento reconhecia o matrimônio como a base da família, do mesmo modo que o Quinto Mandamento reconhecia a família como base da sociedade; e dava ao casamento todo o apoio da religião. Entretanto, nada diz quanto às relações sexuais antes do casamento, mas outras regulações impunham à noiva - sob pena de apedrejamento -, a prova da virgindade no dia da união. Não obstante a prostituição era comum e evidentemente a pederastia sobreveio à destruição de Sodoma e Gomorra. Como o "Senhor" não proibia relações com as prostitutas estrangeiras, as sírias, as moabitas, as midianitas e outras "mulheres estranhas" floresciam ao longo das estradas, onde viviam em tendas, combinando a mascateação com a prostituição. Salomão, que não tinha preconceitos no assunto, revogou as leis que mantinham essas criaturas longe de Jerusalém; e elas se multiplicavam tão depressa que nos dias de Macabeus o Templo era apontado por um reformador como cheio de fornicação e prostituição. 
                 Casos de amor provavelmente se davam, porque havia muita ternura entre os sexos; Jacó serviu sete anos para obter Raquel. "Assim serviu Jacó sete anos por amor de Raquel, e estes lhe pareceram como poucos dias, pelo amor que lhe votava." Mas, na verdade, o amor muito pouco representava na escolha do companheiro. Antes do exílio o casamento era totalmente secular, arranjado pelos pais, ou pelo pretendente com a família da desejada. Encontramos no Velho Testamento vestígios do casamento por captura; Jeová aprova-o na guerra; e os anciãos, quando da escassez de mulheres, "Ordenaram os filhos de Benjamim, dizendo: Ide e escondei-vos de emboscada nas vinhas. Olhai, quando saírem as filhas de Shilon a dançar nos coros, saí das vinhas e arrebatai cada um a sua mulher e ide para as terras de Benjamim." Mas isto era excepcional; em regra o casamento fazia-se por compra; Jacó adquiriu Li e Raquel com o seu trabalho; a gentil Rute foi simplesmente comprada por Booz, e o profeta Oseas lamentava ter dado 50 shekel pela sua mulher. A palavra designativa de esposa era beaulah, que quer dizer adquirida. O pai da noiva retribuía por meio do dote o preço dado - instituição admiravelmente bem adaptada para, uma civilização urbana, diminuir os males do intervalo entre a maturidade sexual e a maturidade econômica dos filhos. 
                  Se o homem era abastado, podia praticar a poligamia; se a mulher mostrava-se estéril, como Sara, podia animar o esposo a tomar concubina. O propósito desses arranjos era o aumento da reprodução; nada mais natural que depois de Raquel e Lia terem dado ao esposo os filhos que podiam dar, estas lhe oferecessem suas servas, para que também por meio delas a família aumentasse. Não era dado à mulher descansar na faina reprodutiva; se o marido morria, seu irmão por mais esposas que tivesse, estava na obrigação de desposar a viúva; ou se o defunto não tinha irmão, a obrigação recaia no parente mais próximo. E como a propriedade privada era a essência da economia judaica, o "duplo padrão" prevalecia; o homem podia ter muitas mulheres, mas estas tinham de contentar-se com um só homem. O adultério significava ter relações com uma mulher que havia sido comprada e paga por outro homem; era uma violação do direito de propriedade e punido com a morte para ambas as partes. Fornicar não constituía coisa permitida às mulheres, mas para o homem não passava de um "pecado venial". Para o homem o divórcio era facilitado tanto quanto era dificultado para a mulher. O marido judeu não parece ter abusado dos seus direitos; pintam-no como zelosamente devotado á esposa e aos filhos. E embora o amor não determinasse o casamento, com frequência o iluminava. "Isaque tomou Rabeca, e ela tornou-se sua mulher; e Isaque a amou, e assim foi consolado da morte de sua mãe." Talvez nenhum outro povo do Oriente Próximo tivesse a vida de família em nível tão alto quanto os judeus. 
                  A despeito dessas estranhas práticas, o casamento na Babilônia parece ter sido monogâmico, e do mesmo padrão moral do casamento cristão de hoje. À liberdade pré-marital seguia-se a rígida fidelidade marital. A mulher adúltera e seu amante, de acordo com o código, eram afogados no rio, a não ser que o marido traído preferisse desfazer-se da esposa, lançando-a totalmente despida na rua.  Hamurábi passou além de Cesar; diz seu código: "Se a mulher for apontada na rua por causa de outro homem, e não foi apanhada em flagrante com outro homem, por amor do seu marido, deve ela lançar-se ao rio. O homem podia divorciar-se de maneira simples: restituindo-lhe o dote e dizendo-lhe: "já não és minha esposa"; mas se ela dissesse "tu não és meu marido", tinha de ser afogada.Esterilidade, adultério, incompatibilidade ou negligência ma casa eram razões para o divórcio; se ela não se mostra boa mulher, se vagueia pela cidade, se abandona a casa ou dá pouca importância aos filhos, eles podem lançar essa mulher à água. Contra esta incrível severidade do código, verificamos que na prática a mulher, embora não pudesse divorciar-se do marido, tinha o direito de abandoná-lo, se ele se mostrasse cruel e ela se houvesse mantido fiel; em tais casos voltava para a família, levando consigo o dote e o mais que houvesse adquirido.  (Até o fim do século XIX as mulheres da Inglaterra não gozavam desse direito). Se um marido se afastava de casa por certo tempo, levado pela guerra ou os negócios, a esposa, destituída de meios para manter-se, podia coabitar com outro homem, sem que isso obstasse a reunião com o marido, caso voltasse. 
               Em geral, a posição da mulher na babilônia era mais baixa do que no Egito ou em Roma, e equivalente ao que ia ser na Grécia e na Idade Média. Para realizar suas funções - gerar e criar filhos, carregar água das fontes públicas, moer os cereais, cozinhar, fiar, tecer, lavar, necessitava ela de movimentos livres e, pois, saia de casa ao modo dos homens. Era dona de suas propriedades, recebia rendas, comprava e vendia, herdava e legava. Algumas mantinham lojas ou se dedicavam ao comércio; outras se tornavam escribas, indicando com isso que tanto um sexo como outro podia receber educação. Mas a prática semita de dar poderes quase ilimitados ao mais velho da família, abafou as tendências matriarcais da Mesopotâmia pré-histórica. Nas classes altas - por um costume que levou ao purdah do Islã e da Índia - as mulheres viviam reclusas numa parte da casa; só saiam acompanhadas de pagens e eunucos. Nas classes inferiores não passavam de máquinas de produzir filhos e se não tinham levado dote valiam pouco mais que as escravas. A adoração de Ishtar  sugere alguma reverência pela mulher e a maternidade, como a adoração de maria na Idade Média; mas  não percebemos nenhum sinal de cavalheirismo no que nos transmitiu Heródoto sobre os babilônios, quando, ao se verem sitiados, "estrangularam suas mulheres para diminuir o número de bocas". O Egito olhava para a Babilônia como para um povo ainda não completamente civilizado. E, de fato, não sentimos em sua literatura o refinamento de caráter que a literatura egípcia revela. E quando esse refinamento chegou, veio sob forma de afeminada degenerescência: os moços encrespavam o cabelo, perfumavam-se, pintavam as faces, enfeitavam-se de colares, brincos e tudo mais. Depois da conquista dos persas, a falta de respeito culminou; a licença invadiu todas as classes; mulheres da melhores  famílias entregavam-se com a maior facilidade; e diz Heródoto que nas classes pobres, os pais prostituíam as filhas por dinheiro." "Nada há mais extraordinário do que os costumes desta cidade," escreveu Quinto Cúrcio no ano de 42. "e em parte nenhuma as coisas são mais dispostas com vistas no prazer voluptuoso." A moral relaxou quando os templos se encheram de riquezas; e o cidadãos da babilônia, entregues ao prazer, suportavam com indiferença a dominação dos cassitas, dos assírios, dos persas e dos gregos.  


CASAMENTOS NO EGITO 
                      Frequentemente o rei desposava a própria irmã, e, ocasionalmente, a própria filha. Sempre se alegava que era para preservar a pureza do sangue real. Nesse sistema, a poética egípcia. As palavra irmão e irmã tinham o sentido de amante e amada. Além das suas irmãs, o faraó tinha um imenso harém recrutado não só entre mulheres cativas, mas também entre as filhas da nobreza. Amenhotep III recebeu como presente do príncipe Naharina 300 virgens escolhidas. Os nobres procuravam imitar o faraó procurando adaptar sua moral ao alcance de seus recursos financeiros. 
                  O motivo principal do casamento entre irmãos era econômico; geralmente motivado pelo desejo de gozar da herança da família, a qual sempre ia da mãe para a filha. 
                   Para a maior parte do povo comum, como pessoas de moderadas rendas, contentava-se com a monogamia. A vida de família era, em regra, tão bem ordenada, tão sadia, no tocante à moral, como nas mais modernas civilizações dos nossos tempo. O Divórcio era muito raro. O marido podia abandonar a mulher sem nenhuma compensação, caso a apanhace em adultério; quando se divorciava por outros motivos, tinha de lhe dar uma substancial indenização. 
                  A fidelidade do marido, devia ser da mesma forma que foi em todas as culturas posteriores; e a posição da mulher mostrava-se bem mais alta do que é hoje em muitos países. Segundo nos informa "Max Müller", nenhum povo, antigo ou moderno, deu à mulher tão alta situação legal como os habitantes do vale do Nilo. Os viajantes gregos achavam graça e criticavam os maridos egípcios dizendo que eram governados pelas mulheres e chegavam a dizer que essa era uma das imposições para o casamento. Esses viajantes gregos estavam acostumados a manter suas Xantipas trancadas em casa.
                   O Egito as mulheres mantinham  propriedades em seu nome e as legavam livremente. Um dos mais antigos documentos da história é um testamento da Terceira Dinastia, em que a senhora Neb-sent transmite suas terras aos filhos. 
                 É provável que esta alta situação da mulher egípcia decorresse do caráter matriarcal da sociedade em que viviam. Não só era a mulher dona absoluta da casa, como de todas as propriedades que sempre eram transmitidas por linha feminina; no contrato de casamento, o marido passava-lhe todos os seus bens e ganhos futuros. 
                 Acredita-se que, em consequência deste regime da mulher como dona dos bens, o infanticídio era raro. Isso é muito natural porque a mulher sempre é maternal e protetora. Conta-se que os pais acusados de infanticídio eram obrigados a carregar o cadáver no colo durante três dias e três noites. 
                   Também, durante o namoro, a iniciativa sempre partia da mulher. Os poemas e cartas de amor que chegaram até nós são, em geral, dirigidos por uma mulher a um homem; é ela quem faz sugestões, quem conquista o pretendente e afinal propõe-lhe casamento.  Uma das cartas encontrados diz: 
"Meu belo amigo, meu desejo é tornar-me, como tua mulher, a dona de todas as tuas posses."
                No Egito era muito natural falar de negócios sexuais,  sempre com muita franqueza e sem rodeios. As meninas costumavam iniciar sua vida sexual pé-marital aos dez anos; era livre e fácil. Com suas economias, uma cortesã dos tempos ptolomaicos construiu uma pirâmide; mesmo a pederastia era autorizada. Dançarinas, à maneira do Japão,  eram aceitas na mais alta sociedade masculina como proporcionadoras de divertimento e relaxamento físico.
                 Hipócrates nos conta sobre os costumes egípcios - especialmente as medas,  que "suas mulheres, enquanto virgens, andavam a cavalo, atiravam de arco, manejavam o dardo e lutavam nas batalhas. Não se desfaziam da virgindade antes de haverem morto três inimigos... Mas depois que tomavam esposo, abandonavam as atividades guerreiras, a não ser que fossem obrigadas a tomar parte numa expedição geral. Não tinham o seio direito; em pequenas as mães aqueciam ao rubro um instrumento de bronze, feito para aquele fim, e cauterizavam-lhes o seio direito, de modo a deter-lhe o crescimento e fazer que toda a força se passasse para o esquerdo". 
                 

                   No decorrer do tempo, o poder da mulher foi diminuindo, talvez por influência dos costumes patriarcais dos hicsos e da passagem da paz do isolamento agrícola para o imperialismo e a guerra. 

                     Talvez o casamento mais estranho da história tenha sido o do príncipe egípcio Akhenaton. Sua mãe Tiy, a Grande Esposa, a Bem-Amada, (a preferida do harém de Amenotep III ) assumiu, por algum tempo, a regência do Egito, e guiou com sabedoria os primeiros passos do filho. Com os poderes, que exercia naquele momento, sancionara e, provavelmente, arranjara algo que nos parece muito estranho.  Permitiu ao seu filho Akhenaton, com pouco mais de treze anos, casar-se com duas damas, as quais, na melhor hipótese, não seriam hoje consideradas aceitáveis. Primeiro casou o jovem adolescente com Tadukhipa, uma das viúvas de seu pai. Em seguida, casou-se com Nefertiti, sua irmã germana. Esses casamento, evidentemente, deram muito assunto aos historiadores. 

Nicéas Romeo Zanchett